domingo, 13 de março de 2016

2016 / L’Ombre des Femmes: nunca tão longe das liras


‘‘Numa encruzilhada do coração / não há templos para Apolo.’’ RAINER MARIA RILKE
L’Ombre des Femmes é um Garrel no estado último do desencanto. E nós com ele: rapidamente sufocamos no interior destas relações amorosas reduzidas ao alicerce mais prosaico das suas existências materiais. Sofremos com a repetida mundanidade dos seus recantos físicos e cronológicos, e descremos na possibilidade de encontrar uma qualquer verdade no meio desta sinfonia de banalidades. O que sustém a rota destes corpos de cama em cama? Num fundo de sofreguidão, sente-se um desfoque, uma suspensão do ‘‘eu’’, uma falta de rumo que a todos une. A languidez decorre da fadiga, ou assim parece. Na exaustão de quem assiste à vacuidade destas danças, convenço-me de que há compreensões a que nunca chegarei: o que fazemos a nós próprios em nome dessa suposta ideia de amor?
Idas as horas do garreliano lirismo: com ‘‘L’Ombre des Femmes’’, o mestre do atemporal romance em filme a preto-e-branco tira-nos o que nos deu. Reduz o amor a um sistema de posses e de expectativas, e tapa o último feixe de luz: tudo se ensombra com ciúmes, negociações, traições, revelações, cache-cache, separações e o desamor último, que lança cada um para a sua solidão. Nenhuns estão bem juntos nem separados, logo, nenhum dos desenlaces possíveis é um final feliz. Porque afinal, nisto do amor, aprendemos, não há finais felizes. Neste cenário, a música não tem por onde acontecer. A poesia vive dos véu de Apolo e, aqui, a realidade é demasiado real. A precariedade deste quotidiano secou qualquer fundo de beleza, tão dependente do mistério. Se não parece, é porque não é - esta não é a casa de um romance.
O anterior ‘‘Jalousie’’ já nos tinha deixado no travo amargo desta decadência costurada. E em ‘‘L’Ombre de Femmes’’, para vincar ao extremo o argumento, há o exemplo contrapontual que dá aos protagonistas o espelho que não usam: o velho casal (do qual conhecemos apenas o nome do homem, o ‘‘resistente impostor’’) no seu quadro de farsa desvelada no fim. O que Garrel parece enunciar é que a farsa é total e que o amor para sempre não existe - o que une esses casais ao longo de uma vida só pode ser (mais uma) história que eles se vão contando e acreditando.

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