segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

2017 / John Berger, Viajante no Tempo

John Berger, Viajante no Tempo





Vi um autêntico Viajante no Tempo e o seu nome é John Berger. Em 1972, criou um programa de televisão chamado Ways of Seeing, e lançou-nos em direcção ao passado para melhor nos fazer ver o presente. Sem termos de sair de casa para ir ao museu, sem precisarmos de ter dinheiro suficiente para viajar ou para possuir belos livros de estampas ou para comprar os quadros que estávamos a ver, com a concentração de uma aula entrávamos, à velocidade dos zooms, dentro dos quadros mais emblemáticos da história da arte. O televisor, ordenado pela voz de John Berger, ligava-se para interromper a imobilidade geral da nossa sala-de-estar e, sucessivamente, destruía as molduras das obras-primas de grandes mestres. Na sua sábia paciência, Berger sublinhava com lances certeiros a obra decisiva de Benjamin, Obra de Arte na Era do Progresso Técnico, e explicava como, com o surgimento da câmara, podemos ver coisas que já não estão lá.  Se esta câmara, fotográfica ou de filmar, nos permite viajar até ao passado, este Viajante deixou a sua marca no futuro. De forma precursora, soube perceber como não é só a Experiência da obra de arte que pode ser democratizada pela reprodubilidade técnica - mas também o Discurso em torno da obra de arte - aqui, a arte chega aos ecrãs domésticos enquadrada por um princípio de educação artística. Hoje, graças à sua visionária vitalidade, podemos saltar de youtube em youtube, em busca das multifacetadas opiniões que partilhou em diversos programas televisivos, emissões de rádio, entrevistas e até webshows. Berger foi muito além da letra: quantos académicos ao seu nível assim se colocaram fora dos livros e dos artigos, sem receio do ridículo, e tanto partilharam no espaço público com a missão de abrir cabeças em massa?

Nunca duvidei que John Berger tivesse vindo do futuro. E, ao longo destes anos todos, também nunca o vi alhear-se de um autónomo sentido de dever: usando todos os meios ao seu dispôr, escolheu tomar nas mãos as rédeas pelo seu próprio tempo. A diferença entre um mero académico e um verdadeiro mestre é que um fala para se ouvir e o outro fala para ser ouvido - e, na inesquecível calma da sua voz, Berger cativou uma audiência crescente porque se dirigiu sempre ao seu igual: o humano ancestral, qualquer um de nós habituado a aprender por narrativa. Para falar de estética, de semiologia, de teoria da representação, de semiótica, de história ou de mitologia, contou-nos histórias para as compreendermos. Recordamos como Berger dá início o seu ensaio-visual On Time (1985), narrando a demanda do jovem pelo sítio onde nunca ninguém morre e ocorre-nos que o seu próprio percurso parece esboçar-nos uma resposta possível: a permanente juventude de pensamento é o lugar onde nunca ninguém morre. Enquanto o olhar deste Viajante nos souber a tão jovem, tão verdadeiro, tão original, percebemos que há forças que superam o Tempo - e sucessivamente nos confiaremos aos ecrãs para voltarmos a ver o mundo pelos olhos de John Berger.


Sabrina D. Marques

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